domingo, 16 de janeiro de 2011

Entrevista ao site Universidade do Futebol

17/12/2010

Rafael Vieira, analista de desempenho da seleção brasileira principal

Parceiro de Mano, profissional realiza interpretação de jogos e fala sobre o seu trabalho na CBF

Bruno Camarão

Mano Menezes capitaneia desde o fim de julho, quando recebeu o convite para assumir o comando da seleção brasileira principal, um importante processo dentro do futebol. Cabe ao treinador a tentativa de retomar a condição de “protagonista” da equipe nacional perante os principais rivais internacionais. Uma filosofia e um modelo de jogo próprios, representativos da cultura local, estão sendo levados em consideração por toda a comissão técnica montada. E um profissional que atua com o gaúcho há anos tem papel também relevante nisso.

Rafael Vieira é o analista de desempenho escolhido pela CBF para compor a nova estrutura. Com o aval de Mano, com quem já trabalhou nos departamentos de futebol de Grêmio e Corinthians, ele deu mais um passo em sua carreira dentro da modalidade, iniciada na década passada.

A base é científica. Rafael possui graduação em Educação Física, com especialização em Fisiologia do Exercício (ambos pela UFRGS). Acumulou experiência em escolinhas de futsal e futebol de Porto Alegre, sendo treinador de uma equipe de formação e assistente técnico na escala maior. Até que se firmou na função que desempenha atualmente.

“O analista de desempenho é o profissional auxiliar técnico especializado em analisar e interpretar os comportamentos da partida de futebol. Este profissional é responsável por oferecer subsídios e ferramentas de análise do adversário e da própria equipe para o técnico, bem como comportamentos individuais e de desempenho de performance técnica e tática”, explicou Rafael, nesta entrevista à
Universidade do Futebol.

O especialista discrimina de maneira clara o seu trabalho do realizado pelos editores de vídeo que muitos clubes possuíam anteriormente. No Grêmio, por exemplo, participou ativamente da criação da Central de Dados Digitais, que avalia adversários e desenvolve um banco de dados de atletas.

“Conseguimos juntar as pessoas em torno de um conceito muito legal de análise do jogo e também de integração de pensamentos, com objetivo de somar e desenvolver melhor o produto ‘jogador’ do clube”, relembra.

Mano atuava no estádio Olímpico à época. Hoje, a montagem dos treinamentos do técnico da seleção brasileira é planejado de acordo com as necessidades da equipe. E cabe a Rafael organizar os controles e fazer as avaliações dos treinamentos, facilitando o feedback do comandante para os atletas.

“Evidentemente existem alguns padrões de observação que servem de parâmetros para análise, o cruzamento e a repetição das informações geram padrões táticos nas equipes. Acredito que aqui está a objetividade do analista em apontar uma ‘ideia de jogo’, que seria um comportamento tático que a equipe emprega, que a explica como um todo”, argumenta o analista de desempenho.

“Nessa ideia ou modelo estão presentes conceitos, princípios e características individuais e coletivas. Dessa forma, existe uma síntese de informação criando padrões e desenvolvendo mais o modelo de jogo”, completa Rafael, que revela as dificuldades para se formar novos profissionais de sua área e as principais diferenças em relação à realidade européia.


Universidade do Futebol – Sua formação é em Educação Física, com especialização em Fisiologia do Exercício. Como foi seu ingresso no ambiente do futebol?

Rafael Vieira – Completei minha formação de graduação na Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em janeiro de 2001, e neste mesmo ano iniciei o curso de especialização de Fisiologia do Exercício na UFRGS. Já no futebol, trabalho desde 1997, tendo começado minha carreira em escolinhas de futsal e futebol de Porto Alegre.Minha primeira experiência com equipes de grande porte foi no Grêmio, em 1998 (escolinhas de futebol). Depois disso passei por clubes do interior gaúcho, como Aimoré de São Leopoldo (técnico infantil sub-15), Brasil de Farroupilha (auxiliar técnico profissional), São José, de Porto Alegre, até chegar novamente ao Grêmio em 2005, atuando como auxiliar técnico e analista de desempenho. Fiquei lá por cinco temporadas.Por último, atuei no Corinthians, também como analista de desempenho, até o convite para a seleção brasileira.


Universidade do Futebol – À época em que você estava no Grêmio, foi criada Central de Dados Digitais do Grêmio (CDD), que avaliava adversários e montava um banco de dados de atletas. Poderia explicar um pouco melhor sobre a funcionalidade e o procedimento de uso dessa ferramenta?

Rafael Vieira – A CDD foi um grande sonho que se realizou. Em 2005, quando incorporei a comissão técnica profissional do Grêmio, vindo do juniores, iniciamos uma reformulação interna e estrutural, de equipamentos e conceitos. Tudo isso pensado pelo técnico Mano Menezes, com propósito de melhorar as condições de trabalho. Começamos com os equipamentos e treinamento de pessoal especializado – foi nesse momento que surgiu a função de analista de desempenho.A ideia era ter um espaço central para que as informações fossem processadas e analisadas e principalmente discutidas entre os técnicos e membros das comissões técnicas. Contudo, era inovador no clube, pois conseguimos juntar as pessoas em torno de um conceito muito legal de análise do jogo e também de integração de pensamentos, com objetivo de somar e desenvolver melhor o produto “jogador” do clube.Basicamente, a CDD faz banco de imagens de jogadores, análise de jogo para o profissional e demais categorias, banco de treinos, centro de informações ligado à rede interna e software de gestão do Grêmio.


Universidade do Futebol – Qual é o papel do analista de desempenho na seleção brasileira? Há alguma diferença em relação ao seu trabalho anterior, junto a clubes como Corinthians e Grêmio?

Rafael Vieira – Sim, há diferença. No Grêmio, meu trabalho foi de muito desenvolvimento, tanto estrutural como conceitual. Já no Corinthians, encontrei uma excelente estrutura com profissionais especializados, como o Fernando [Lázaro Rodrigues Alves], que atua com o que eles chamam de Tecnologia Esportiva. Então, a preocupação foi mais conceitual do que estrutural.O analista de desempenho é o profissional auxiliar técnico especializado em analisar e interpretar os comportamentos da partida de futebol. Este profissional é responsável por oferecer subsídios e ferramentas de análise do adversário e da própria equipe para o técnico, bem como comportamentos individuais e de desempenho de performance técnica e tática. Isso é a descrição da função e acho importante ressaltar que as pessoas que são “analistas” são diferentes dos “editores de vídeo” que os clubes tinham anteriormente.Os analistas são profissionais que advêm do campo – no meu caso, fui treinador em categoria de base, especializado em leitura do jogo e comportamentos das equipes, com facilidades em editar, analisar e apresentar resultados. Contudo, é importante ter bom conhecimento de informática, banco de dados, etc.

Universidade do Futebol – Você poderia explicar de maneira conceitual como é realizado o processo de anotação, avaliação, interpretação e apresentação dos resultados?

Rafael Vieira – De forma conceitual e também prática, esse processo de anotar, avaliar, interpretar e apresentar resultados são funções e atribuições do analista. O analista deve apresentar os dados sempre de forma pontual e objetiva, facilitando a leitura dos mesmos pelo técnico e demais membros da comissão técnica. Lembrando que isso pode ser feito com qualquer ferramenta, desde a mais sofisticada, até de maneira mais simples, anotando em um papel e apresentando uma informação que ajudará no crescimento da equipe.


Universidade do Futebol – Você cita que se os treinadores vierem a avaliar o jogo de uma forma subjetiva, acaba-se inevitavelmente construindo os treinamentos de uma forma subjetiva. Como se dá sua relação com o Mano Menezes e os demais profissionais da comissão técnica para a montagem de treinamentos?

Rafael Vieira – Bom, na verdade essa citação é do Thiago Duarte (analista do Grêmio) e eu uso no meu blog. Isso porque escrevemos muitas coisas juntos, temos alguns artigos publicados. Essa citação é um reforço à leitura do jogo, à análise de jogo de uma forma geral.

Temos a certeza que construímos nosso jogo a partir daquilo que treinamos e também treinamos de acordo como jogamos (Garganta). Essa citação do professor Garganta explica a necessidade de sermos objetivos na leitura do jogo para formatar um bom treino. A montagem dos treinamentos do Mano segue aquilo que ele tem como modelo de jogo, ou seja, de acordo com as necessidades da equipe. Cabe ao analista organizar os controles e fazer as avaliações dos treinamentos, facilitando o feedback do técnico para equipe.


Universidade do Futebol – Para a realização da análise tática, alguns conceitos, princípios e procedimentos são bem determinados. De que modo são cruzadas as informações estratégicas e o modelo de jogo treinado e como são criados “padrões de análise”?

Rafael Vieira – Ótima pergunta. Acho que aqui que está a grande construção da análise e como isso tudo pode ajudar os técnicos a desenvolverem seus modelos. Evidentemente existem alguns padrões de observação que servem de parâmetros para análise, o cruzamento e a repetição das informações geram padrões táticos nas equipes.Acredito que aqui está a objetividade do analista em apontar uma “ideia de jogo”, que seria um comportamento tático que a equipe emprega, que a explica como um todo. Nessa ideia ou modelo estão presentes conceitos, princípios e características individuais e coletivas. Dessa forma, existe uma síntese de informação criando padrões e desenvolvendo mais o modelo de jogo.


Universidade do Futebol – A tecnologia esportiva para auxílio da comissão técnica ainda é vista de forma limitada pelos clubes nacionais? Como avançar nessa questão?

Rafael Vieira – Acho que melhorou muito nos últimos anos. Praticamente o mundo inteiro depende de tecnologia para funcionar, e não seria diferente no futebol. Acredito que pessoas que não aceitam a tecnologia têm dificuldades de gerenciar seus trabalhos. O jogador de futebol também evoluiu muito nos últimos anos, praticamente todos se utilizam de ferramentas sociais de comunicação, então por que não oferecer ferramentas para o seu trabalho? A fase do futebol romântico já acabou há muito tempo, está tudo mais dinâmico e rápido. Portanto, as pessoas que trabalham com futebol têm a necessidade de se reciclar constantemente.


Universidade do Futebol – No Brasil, ainda não há cursos de formação de analistas de desempenhos, ou na área de alta tecnologia esportiva. Qual é o reflexo disso? De que forma podem ser moldados e capacitados profissionais interessados em atuar nessa função sem uma base acadêmica?

Rafael Vieira – Acho que o Brasil precisa evoluir muito nas questões de formação de seus profissionais do futebol. A demanda é muito grande, e a formação está muito atrasada em relação a outros centros. Há poucos anos temos a EBF (Escola Brasileira de Futebol); já na Europa, há muitos anos a Uefa forma seus profissionais.

Como disse anteriormente, o analista é um profissional do campo especializado, portanto se molda nas universidades e na prática dos clubes. Espero que esta função se difunda por muitas agremiações.

Para formar um analista é necessário ser um bom observador, assistir muitos jogos e criar seus parâmetros de análise. Também acho que esse profissional deve ter na sua experiência prática de futebol, seja o nível que for, mas o contato com o esporte favorece a leitura do jogo. Ressalto também que em qualquer profissão é necessário preparo e talento para realizá-la de forma a alcançar a excelência.


Universidade do Futebol – Como se dá a interação entre você e a preparação física e comissão técnica, departamentos médico e de fisiologia, e com o próprio trabalho realizado nas categorias de base da seleção brasileira?

Rafael Vieira – A interação é total. Hoje é praticamente impossível ver o futebol por partes separadas, isso é muito complicado, uma área faz a sua e a outra também. Não acredito nisso: acredito, sim, em um trabalho global e sistêmico, concebido a partir de uma ideia de jogo do técnico.O trabalho na seleção de base é responsabilidade do coordenador Ney Franco e está em construção.


Universidade do Futebol – O Mourinho defende um modelo de treino integrado, em que não há separação entre o que é físico, técnico, tático e psicológico. O que você pensa a respeito disso? Essa filosofia de trabalho já era aplicada no futebol português por outros treinadores?

Rafael Vieira – Acho que o Mourinho defende o treino sistêmico, e não integrado – vejo diferença nisso. Penso que o melhor modelo é aquele que é coerente com suas ideias. Há muitos caminhos para chegar à vitória, alguns são maiores que os outros, alguns são mais complicados que outros, alguns chegam mais rápido aos seus objetivos: o importante é ter suas ideias bem claras e ser coerente a elas.

Sobre o futebol português, não tenho muita propriedade, só conheço aquilo que leio e assisto na televisão, e isso é pouco para emitir opinião.

Universidade do Futebol – O filósofo Manuel Sérgio diz que Mourinho tem como diferencial o apoio de seu trabalho nas ciências humanas. Mesmo com o sucesso dele, porém, ainda são poucos os treinadores que usam esse modelo de trabalho como referência. O que falta para esse modelo ser mais aceito e o pensamento acadêmico ganhar mais espaço no meio esportivo?

Rafael Vieira – O que se é como pessoa reflete no que a pessoa é no trabalho. Então, valores humanos vêm junto com o comando e o trabalho do técnico. Depende do seu modelo e da sua formação.

Acredito que já temos muitos técnicos com bons valores pessoais. Dos técnicos com quem trabalhei, todos utilizavam bases humanas nas suas intervenções (Mano Menezes, Vagner Mancini, Celso Roth, Marcelo Rospide, Paulo Autuori).

Existe uma grande diferença nos trabalhos da Europa para o Brasil, é preciso entender e respeitar isso. Acho que a formação de novos técnicos está ligada à formação acadêmica, e digo isso porque sei que nos bancos das universidades têm pessoas que podem auxiliar e muito o técnico brasileiro.

É preciso acabar com as diferenças de ex-jogadores e profissionais de Educação Física, tem espaço para todos. É preciso, sim, que todos se preparem melhor, é preciso criar cursos específicos de formação de técnicos nas universidades. Vejo que assim vamos aproveitar muito melhor o que temos de especial: o talento do jogador de futebol brasileiro. Isso não tem em nenhum outro lugar do mundo.


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